A anistia, historicamente utilizada como um instrumento de pacificação social e política, enfrenta um escrutínio rigoroso à luz da Constituição Federal de 1988, especialmente quando aplicada a crimes que minam a própria essência do Estado Democrático de Direito. A questão é complexa e exige uma análise aprofundada dos princípios e artigos que alicerçam o nosso ordenamento jurídico.
A Constituição de 1988, conhecida como a "Constituição Cidadã", foi concebida para consolidar a democracia, superando o período autoritário. Ela estabelece, em seu artigo 5º, a imprescritibilidade e a inafiançabilidade de crimes como o racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Embora a anistia seja um ato de clemência que extingue a punibilidade, ela não pode, sob a ótica constitucional, apagar a natureza desses crimes. Ignorar essa vedação seria esvaziar a norma constitucional e comprometer a segurança jurídica.
A doutrina e a jurisprudência brasileiras já se debruçaram sobre o tema. O Supremo Tribunal Federal (STF), em diversas ocasiões, reafirmou a impossibilidade de anistiar crimes que violem gravemente os direitos humanos, como aqueles cometidos durante a ditadura militar. Essa interpretação se baseia na adesão do Brasil a tratados internacionais de direitos humanos, que exigem a responsabilização de autores de violações graves, como tortura e desaparecimentos forçados. Embora a anistia de crimes contra o Estado Democrático de Direito não se enquadre diretamente nessa categoria, a analogia é pertinente, pois tais crimes atentam contra a base do sistema de direitos e garantias individuais.
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, afirmou que ainda não há definição sobre a inclusão, na pauta do Plenário, do projeto que concede anistia aos acusados de golpe de Estado.

“Estamos muito tranquilos em relação a essa pauta. Estamos sempre ouvindo os líderes que têm interesse e os que são contrários”, disse Motta.
Já o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), afirmou nesta semana ser contrário a uma anistia ampla e geral, como defende o PL, partido do ex-presidente. Ele informou que deve apresentar um texto alternativo sobre o tema.
Um ato que conceda anistia a quem atenta contra as instituições democráticas pode ser considerado uma ofensa direta ao princípio da separação dos poderes, à moralidade pública e, sobretudo, à soberania popular, que é a fonte de toda a legitimidade do poder. A democracia não é apenas um sistema de governo, mas um valor fundamental protegido pela Constituição. Anistiar crimes que buscam destruir esse valor seria, portanto, uma traição aos princípios que a Carta Magna busca proteger. A sanção de tais atos pelo Poder Legislativo e a subsequente aprovação pelo Executivo estariam sujeitas ao controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário, que tem o dever de proteger a Constituição e assegurar que nenhuma lei ou ato infrinja suas cláusulas pétreas e princípios fundamentais.
Em conclusão, a Constituição de 1988 não permite que crimes contra o Estado Democrático de Direito sejam anistiados. O ato de anistiar tais crimes pode ser considerado inconstitucional por afrontar diretamente o artigo 5º da Constituição, além dos princípios da soberania popular, da separação dos poderes e da proteção dos direitos humanos. A clemência não pode ser utilizada como um escudo para a impunidade, especialmente quando o bem jurídico lesado é a própria democracia. A anistia, nesse contexto, deixaria de ser um instrumento de pacificação e se tornaria um meio de legitimar a violência contra as instituições, subvertendo a ordem constitucional.
* Com informações das fontes: Constituição Federal de 1988 e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).