Em um momento na economia, a inflação chegou a 1.000%, algo que provocou instabilidade e desconfiança na moeda brasileira. Vários planos foram criados, mas nada conseguia combater de maneira eficaz a cultura da inflação e o descrédito com a moeda. Foi preciso criarmos um processo de transição com a URV, já que todos reconheciam que comandávamos uma situação impraticável, com a moeda tida como podre para todos, brasileiros e estrangeiros. Só substituímos nossa moeda pelo Real após combater a cultura da inflação.
Hoje, com raríssimas exceções, todos reconhecem ou atestam que o atual sistema eleitoral está apodrecido, ultrapassado, que só gera escândalos e ingovernabilidade ao processo eleitoral brasileiro e aos personagens escolhidos por esse sistema. Qual o motivo da nossa iniciativa de reativar a discussão da reforma política? Porque precisamos aprovar mudanças substanciais no atual sistema eleitoral que vai desempenhar o mesmo papel da URV. Só aí vamos romper a cultura que existe no Brasil, com algumas exceções, onde as campanhas majoritárias ou proporcionais se tornam dependentes do poder financeiro; do apoio das máquinas dos governos federal, estaduais e municipais; daqueles que continuam se elegendo com dinheiro do caixa 2, composto pelo desvio de verbas do orçamento ou ainda por organizações nada republicanas.
Qual a importância do financiamento público e exclusivo de campanha? Além de ajudar no papel de URV do sistema político, romperíamos com essa prática da interferência do dinheiro nas campanhas. Os valores seriam identificados e repassados aos partidos, após as convenções partidárias. Os Tribunais Regionais Eleitorais, os juízes e o Tribunal Superior Eleitoral teriam como sair das dificuldades que têm para acompanhar nos estados e municípios os gastos de milhares de candidatos. Como a fiscalização se limitaria a pouco mais de uma dezena de partidos, seria possível punir e fechar o espaço para que os adeptos desse estilo de financiamento de campanha eleitoral com caixa 2 e máquina pública não continuem a sobreviver.
Com o financiamento público e exclusivo, não só os fiscais teriam acesso aos valores reais repassados, como a população poderia acompanhar em tempo real. Caso algum partido extrapolasse determinado gasto, receberia como pena a perda do registro de todos os candidatos que estariam na lista fechada para deputados, por exemplo. Oficialmente, segundo o TSE, as campanhas pelo País custaram em torno de R$ 2 bilhões. Graças ao caixa 2, esse valor real pode ter sido de R$ 10 bilhões na última eleição.
Hoje as denúncias de caixa 2 ou de uso indevido das máquinas, por mais que seja a dedicação e o empenho dos tribunais, a maioria dos políticos só serão julgados depois de cumprir todo o mandato. Ou ainda ocorrerá, como pôde se perceber com a cassação dos governadores da Paraíba e Maranhão, uma judicialização das campanhas, em que milhões de brasileiros não sabem até hoje, depois de dois anos e meio da eleição de 2006, quem será o governador em nada menos que seis estados.
Mas é bom deixar claro que o financiamento público só será viável com a aprovação da lista fechada, condição obrigatória para termos o controle e o bom uso da fiscalização do dinheiro que será repassado a cada partido. O cidadão vai poder avaliar as listas de cada partido e os candidatos inseridos nela vão se unir em busca de votos pelo partido que são filiados. Quem vai querer compor uma lista com nomes suspeitos e cheios de dúvidas? O cidadão vai votar numa lista dessas? Não. Vai sobrar espaço para representantes de cada setor da sociedade, médicos, professores, advogados, produtores, estudantes. Mulheres, índios, negros. Todos vão poder equilibrar essa divisão. Diferentemente de hoje, quando o poder financeiro ajuda e muito a eleger candidatos com fichas suspeitas.
Depois dessa transição URV, aí sim poderemos avançar para a flexibilização da lista pré-ordenada, do financiamento público e privado das campanhas, do voto distrital. Não podemos ficar inertes, como os críticos do projeto que não têm outra proposta ao atual sistema carcomido. Eles são apenas contra!
*Ronaldo Caiado é deputado federal por Goiás e líder do Democratas e foi relator da Comissão Especial da Reforma Política.
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