Contrariando expectativas, o governo reduziu a amplitude de seu pacote anti-lavagem de dinheiro e divulgou, dia 10, quatro medidas de caráter administrativo para coibir essa prática, que, em geral, funciona como desaguadouro de lucro obtido com operações ilícitas relacionadas ao crime organizado e à corrupção.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, anunciaram ontem, em Brasília, a chamada “Fase 1” do pacote, que contempla: criação do Departamento de Recuperação de Ativos, no âmbito do Ministério da Justiça, e do Cadastro Geral de Correntistas; fortalecimento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e abertura de um assento para o ministério no órgão; além da obrigatoriedade dos bancos informarem ao BC todas as operações de depósito, saques e pedidos de provisionamento para resgate em dinheiro em valores iguais ou superiores a R$ 100 mil.
Ficou de fora da “Fase 1” a medida que talvez seja a mais polêmica em estudo: o bloqueio administrativo por 15 dias, determinado pelo BC, sem prévia autorização judicial, de contas consideradas suspeitas.
Ouvidos pela reportagem, o constitucionalista Luís Roberto Barroso e o penalista Luiz Flávio Gomes têm opiniões divergentes sobre o tema.
”Isso é inconstitucional. O governo está querendo tomar autonomamente medidas que cabem ao Judiciário”, afirma Gomes. “Se [o bloqueio] for instituído por lei, em princípio não vejo conflito com a Constituição”, diz o Barroso.
Está em fase avançada o projeto de lei que o governo encaminhará ao Congresso para criar o bloqueio. O anúncio deve integrar a “Fase 2”, que o ministro Bastos prevê anunciar no prazo de três meses.
Falando sobre a importância do combate à lavagem como forma de tirar o oxigênio do crime, o ministro disse que “ninguém corre o risco de se organizar em quadrilha se souber que, ao final da sua jornada mensal de trabalho, não vai ter onde por o dinheiro, a não ser no fundo do colchão”. Ao apresentar a medida relacionada aos saques e depósitos iguais ou superiores a R$ 100 mil, Meirelles informou que, diariamente, são registradas mil movimentações desse tipo. ”A medida atinge operações atípicas, não corriqueiras no dia-a-dia dos cidadãos e do sistema financeiro”, declarou o presidente do BC, frisando que o órgão cumprirá todas as previsões legais do sigilo bancário.
O correntista que fizer a movimentação não será necessariamente chamado a prestar informações sobre a origem do dinheiro que sacou ou depositou. Isso só deverá acontecer quando, reunindo informações - também com a ajuda do banco de dados que funcionará no futuro Departamento de Recuperação de Ativos-, uma investigação reunir elementos indicativos de que o sistema financeiro está sendo usado para movimentar dinheiro ilícito.
Hoje os bancos têm que dar conhecimento ao BC de toda operação considerada suspeita - incompatível com o perfil do cliente -, além de remessas e recebimentos internacionais superiores a R$ 10 mil.
O Coaf analisa hoje, em média, 300 operações financeiras consideradas suspeitas e que lhes são informadas pelo sistema bancário.
Com a instalação efetiva da “Fase 1”, o número básico passará a mil informes diários. Ainda assim, não está previsto aumento imediato dos quadros do Conselho, que conta com 17 técnicos para as atividades-fins.
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