O corte dos serviços públicos essenciais, água e luz, quando há inadimplemento

 

Opinião - 16/06/2010 - 11:31:24

 

O corte dos serviços públicos essenciais, água e luz, quando há inadimplemento

 

Antonia L. M. Almeida-Cristiane Pimentel de Moura .

Foto(s): Divulgação / Arquivo

 

O CORTE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS, ÁGUA E LUZ, QUANDO HÁ INADIMPLEMENTO POR PARTE DO USUÁRIO

O CORTE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS, ÁGUA E LUZ, QUANDO HÁ INADIMPLEMENTO POR PARTE DO USUÁRIO

O CORTE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS, ÁGUA E LUZ, QUANDO HÁ INADIMPLEMENTO POR PARTE DO USUÁRIO.

Antonia Lisania M. Almeida[1]

Cristiane Pimentel de Moura[2]

 
 

 

O Presente trabalho tem como objetivo falar sobre corte dos serviços públicos essenciais de água e iluminação como medida para o adimplemento, abordando primeiramente a construção do conceito de serviço essencial, bem como a continuidade desse gênero de serviços e o corte pelo inadimplemento, o que tem acirrado  muitas discussão a respeito do tema em questão.

                        Muitas foram as discussões, e atualmente se discute o que é considerado serviço essencial.

                        Dispõe o artigo 22, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, que nos casos de descumprimentos na prestação adequada e eficiente dos serviços essenciais e contínuos, os órgãos públicos,  concessionárias ou permissionárias de serviços público, serão compelidas a obrigação de fazer e fornecer prestação de serviço essencial,  bem como a reparação dos danos causados, advindos da interrupção deste serviço.

                        Nesta esteira de raciocínio, tem-se que serviço essencial, nas fontes do Direito é realizado pela hermenêutica, haja vista o Código do Consumidor não dizer o que vem a ser as atividades ou serviços essenciais. No entanto, encontramos na Jurisprudência um primeiro esforço em conceituar  tal serviço, o qual descrevemos como sendo "tudo quanto constitui objeto de comércio, tudo quanto tenha um sentido de utilidade pública.[3]

                        Essa foi uma das primeiras manifestações em trazer um conceito de serviços essenciais, como sendo aquele evidenciado por seu valor pecuniário e a sua natureza de utilidade pública.

                        Como evolução do tema, a Lei Delegada nº 04/62[4], que segundo interpretação do Superior Tribunal de Justiça conferiu a União “o poder de intervir no domínio econômico a fim de garantir a livre distribuição de mercadorias e serviços essenciais ao consumo e uso do povo."[5],  mas também não estipulou claramente quais os serviços essenciais, sendo  tal norma em branco dirigida pelas jurisprudências, até que as condições sociais exigissem do Estado, ou de seus prestadores de serviço, a segurança da continuidade de determinados serviços, bem como aqueles caracterizados como "indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade." ou essenciais para a Lei 7.783 de 28 de junho de 1989,  conhecida como a "Lei de Greve", que regula sobre seu exercício e define as atividades essenciais, assim como regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Complementa esta norma jurídica o art. 9º, parágrafo 1º da CRFB/88, o qual assegura o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Cabendo a Lei definir os serviços ou atividades considerados inadiáveis, trazidos pela lei de greve, em seu artigo 10, que encontramos no inciso I, qual seja  a distribuição de energia elétrica e o abastecimento e água. Vejamos:

§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo. (grifamos).

(...)”

                        Esta mesma Lei dispõe no art. 11, parágrafo único, que: “São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.” 

                        Enquanto a Lei de Segurança Nacional nº Lei nº 7.170/83, cominou sanção à prática de sabotagem, agravando a pena que  resultar em : “dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o dobro.”

                         Integrando a norma em sua finalidade, temos que os serviços essenciais, são  aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da coletividade, sem os quais possam colocar em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, a teor do artigo 11 da Lei 7.783/89.

Do ponto de vista da interpretação, tal norma pode ser considerada como norma jurídica nacional, posto que atinge toda a coletividade, sem distinção, sendo autônoma no que se refere a matéria, posto que pode ser estendida a quaisquer casos ou condições que levem a interrupção de serviço de natureza essencial, pois  ao se definir as atividades essenciais, não as faz somente em relação a mesma a greve, mas dos serviços denominados essenciais.

Ainda sobre a natureza dos serviços essenciais Ada Pellegrini Grinover diz que:

"É sempre muito complicado investigar a natureza do serviço público, para tentar surpreender, neste ou naquele, o traço da sua essencialidade. Com efeito, cotejados, em seus aspectos multifários, os serviços de comunicação telefônica, de fornecimento de energia elétrica, água, coleta de esgoto ou de lixo domiciliar, todos passam por uma gradação de essencialidade, que se exacerba justamente quando estão em causa os serviços públicos difusos (ut universi) relativos à segurança, saúde e educação.[6]"

A eminente doutrinadora ao asseverar: "Parece-nos, portanto, mais razoável sustentar a imanência desse requisito em todos os serviços prestados pelo Poder Público."[7] , nos permite concluir que o artigo 10 da Lei 7.783/89,  apenas  se esforçou  por definir genericamente os serviços essenciais, tratando-os como rol meramente exemplificativo e não taxativo.

                        Sob ótica publicista, Luis Antonio Rizzatto Nunes, assevera que:

"Em medida amplíssima todo serviço público, exatamente pelo fato de sê-lo (público), somente pode ser essencial. Não poderia a sociedade funcionar sem um mínimo de segurança pública, sem a existência dos serviços do Poder Judiciário, sem algum serviço de saúde etc. Nesse sentido então é que se diz que todo serviço público é essencial. Assim, também o são os serviços de fornecimento de energia elétrica, de água e esgoto, de coleta de lixo, de telefonia etc."[8](grifamos).

Assevera, ainda referido autor que "Há no serviço considerado essencial um aspecto real e concreto de urgência, isto é, necessidade concreta e efetiva de sua prestação"[9].

  Logo, ao considerar que os serviços essenciais estão para a coletividade e para o Ordenamento Jurídico como indispensáveis à manutenção da vida e dos direitos, fica prejudicada sua interrupção, pois ao serem indispensáveis à normalidade das relações sociais ocupam natureza pública, não tendo proprietários, mas gestores, os quais devem agir para a sua consecução.

  Tal conceito serve-nos para delimitar o tema. No entanto, ainda existe algumas questões, no que se refere a característica cultural de cada povo o que repercute no Direito,  tornando-o pluralista, posto que algumas opiniões tendem para que se leve em consideração as necessidades de cada grupo social, para depois se denominar o que é serviço essencial ou não ao homem, utilizando-se como critérios os costumes, o tempo e o espaço, pois existem comunidades onde serviços como o de energia elétrica e canalização de água são dispensados pelos lampiões à querosene e pelos poços, enquanto que para outros grupos sociais a falta de energia e a água tratada é insubstituível, pelo seu próprio avanço a que está inserido.

                        Dentro do Ordenamento Jurídico Brasileiro, os serviços essenciais são de natureza indispensáveis e essenciais à sobrevivência digna do homem, que muitas vezes são prestados pelo próprio Estado ou através de concessionárias ou permissionárias. A interrupção de serviços considerados indispensáveis a sobrevivência digna do homem, é até certo ponto inconstitucional, posto que contraria o bem comum de todos na forma do artigo 3º, IV da Constituição Federal/88. Pois não é lícito ao Estado ou aos prestadores de serviço, deixarem de prestar serviços que estão incorporados às atividades básicas, tais como saúde, educação, energia elétrica e saneamento, sob pena de estarem submetendo o homem a tratamento degradante ou desumano e fragilizando sua dignidade, a teor do 5º, III da Constituição Federal.

A falta ou má prestação de tais serviços vai de encontro à concretização dos direitos de solidariedade, considerados de terceira geração de direitos fundamentais, também chamados de direitos de fraternidade.

Ademais, com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, este trouxe a essencialidade dos serviços públicos com efeitos jurídicos, posto que determinados tipos de prestação, não lhes adiantava apenas a adequação, eficiência e segurança, mas a obrigação de sua continuidade. (artigo 22 do CDC).

Em contrapartida, fere os valores e direitos discorridos no artigo 6º, § 3º da Lei do Regime de Concessão e Permissão da prestação de serviços públicos (Lei 8.987/95),  previstos no artigo 175 da Constituição Federal, in verbis:

§ 3º. Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II – por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade. (grifo nosso).

Extrai-se da interpretação literal a generalidade dos motivos ‘legítimos para a interrupção’, que acaba por envolver quaisquer intenções sustentadas pela operadora de serviços, o que frusta a função social, posto que na ausência de pagamento, por ser finalidade última da operadora, o lucro, pode dispensar o fornecimento.

Tal norma, quer dizer que a interrupção do fornecimento, não se caracteriza como descontinuidade, o que vai de encontro aos interesses coletivos, que qualquer interrupção rompe com a continuidade do serviço.

O Ordenamento Jurídico, ao regulamentar as atividades essenciais, através da Portaria nº 04/98 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, a qual dispõe ser nula de pleno direito as cláusulas que: “imponham, em caso de impontualidade, interrupção de serviço essencial, sem aviso prévio”.

Referida Portaria ao disciplinar o rol das Cláusulas abusivas também dispõe ser nulas de pleno direito as cláusulas que: “Permitam ao fornecedor de serviço essencial (água, energia elétrica, telefonia) incluir na conta, sem autorização expressa do consumidor, a cobrança de outros serviços. Excetuam-se os casos em que a prestadora do serviço essencial informe e disponibilize gratuitamente ao consumidor a opção de bloqueio prévio da cobrança ou utilização dos serviços de valor adicionado”.

Então, fazendo breve passagem pelos serviços essenciais, no Ordenamento Jurídico, podemos evidenciar que alguns deles alcançam  status legal, sendo enumerados em determinadas normas, bem como reconhecidos a relevância de sua continuidade para o homem.

                        A prestação de energia elétrica, é um desses serviços essenciais, do ponto de vista de uma sociedade dita moderna, conforme o artigo 21, XII, alínea b da Constituição Federal de 1988 que prever como essencial no artigo 10, I da Lei 7.783/89, bem como o item 3 da Portaria nº 03/99 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, ratificado pelo recente Acórdão do STJ, que teve como Relator o Ministro José Delgado, 1ª Turma(ROMS 8915/MA. DJ 17.08.98. Unânime). Vejamos:

Ementa: "ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. É condenável o ato praticado pelo usuário que desvia energia elétrica, sujeitando-se até a responder penalmente. 2. Essa violação, contudo, não resulta em reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção do fornecimento da mesma. 3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 5. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade. 6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. 7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 8. Recurso improvido.(1 turma Min. José Delgado. ROMS 8915/MA. DJ 17.08.98. Unanime." (grifamos).

Hoje com a industrialização dos utensílios fabricados pelo homem forçou-nos a utilizá-los com seu avanço tecnológico, onde o homem não tem outra alternativa senão utilizar a principal forma de energia disponibilizada pela modernidade que é a energia elétrica, com a qual faz-se tudo e, na atualidade não se pode vive sem a mesma,  qualificando-a como essencial às atividades humanas, e por esta razão não poderá ser  interrompida. Vejamos:

"ENERGIA ELÉTRICA - SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO, ATRAVÉS DE ATO DA CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO PÚBLICO, POR ATRASO NO PAGAMENTO DA FATURA ILEGALIDADE MANDADO DE SEGURANÇA CONCESSÃO - RECURSO PROVIDO. O fornecimento de energia elétrica constitui serviço público essencial, devendo ser prestado continuamente (artigo 22, Lei 8.078/90), não sendo admissível a suspensão com fundamento no atraso quanto ao pagamento da fatura, uma vez que o fornecedor pode se utilizar dos meios de cobrança que o sistema jurídico lhe proporciona.( TJPR – Ac. 18.450 - Apelação Cível n° 94.883-2, Relator: Juiz Convocado Lauro Laertes de Oliveira. Julg. 21.03.2001.)(12)

A água é outro serviço, qualificado como essencial e considerada bem ambiental  e  necessidade básica do ser humano, sem a qual comprometeria a dignidade do homem, por ser medida mínima para uma sadia qualidade de vida e, conforme preceitua o art. 22, IV da CF/88,  é bem de domínio público destinada ao consumo humano.

 Sendo de tal importância que o Código Penal Brasileiro, tutelou, em seu art. 270, como condutas ilícitas  a poluição de água potável, com vista à preservação deste bem essencial à humanidade. Posto que a água faz parte do meio ambiente e ecossistemas onde vivemos, e integra o caráter de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

 Trazemos a colação a lição de Paulo Affonso Leme Machado: “Salientemos as consequências da conceituação da água como "bem de uso comum do povo": o uso da água não pode ser apropriado por uma só pessoa física ou jurídica, com exclusão absoluta dos outros usuários em potencial; o uso da água não pode significar a poluição ou a agressão desse bem; o uso da água não pode esgotar o próprio bem utilizado e a concessão ou a autorização (ou qualquer tipo de outorga) do uso da água deve ser motivada ou fundamentada pelo gestor público."[10]

Ainda sobre a importância e essencialidade da água para o consumidor, vale a pena trazer a colação o entendimento empossado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, transcrição:

"DIREITO ADMINISTRATIVO E DO CONSUMIDOR. ACAO DE REVISAO DE VALORES DEVIDOS POR FORNECIMENTO DE AGUA - CUMULADA COM PRETENSAO INDENIZATORIA POR DANO MORAL E PEDIDO DE RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO – COM TUTELA ANTECIPADA – JULGADA IMPROCEDENTE. ERRO OU ABUSO NO LEVANTAMENTO DO DÉBITO DO AUTOR E RESPECTIVOS JUROS DE MORA, NÃO DEMONSTRADOS. A MULTA – DE 10% - Há de reduzir-se ao limite de 2% estabelecido na legislação consumista, por aplicável o Código de Defesa do Consumidor nas relações de fornecimento de serviços essenciais, como o de abastecimento de água, ainda que ao cargo de Autarquia Municipal. Dano Moral e responsabilidade do reu pela denominada cobrança vexatória, não demonstrados. Dividas pretéritas – de consumidor que vem pagando as contas desde o restabelecimento do serviço por efeito de tutela antecipada – não justificam novas interrupções no fornecimento de água, devendo a prestadora do serviço valer-se da cobrança judicial para vê-las resolvidas. Apelação parcialmente provida. (Apelação Cível nº 70001095231, 2ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Elvio Schuch Pinto, julgado em 25/10/2000).

A tutela jurídica da água está consolidada no Ordenamento jurídico como matéria prima essencial à sobrevivência humana, e por isso a interrupção no fornecimento  da mesma é aviltante.

No entanto, existem alguns argumentos em contrário, em dizer que a  água, como bem coletivo é somente aquela brotada da fonte, sem qualquer tratamento, pois o fato das empresas de saneamento e distribuição adicionarem produtos como o cloro e outras substâncias desconfiguraria como bem de uso comum para torna-la produto, e por isso, vendável para aqueles que pagarem para tê-la. Nessa ótica é necessário dizermos que é dever e não faculdade do Poder Público ou de seus concessionários serviço de purificação da água para consumo.

Vasto é o campo e muitas as discussão a respeito do corte do fornecimento de serviços essenciais, tais como água e energia elétrica, de forma a constranger o usuário ao pagamento, ultrapassando os limites da legalidade, em visível afronta e desrespeito à dignidade da pessoa humana, haja vista o cidadão utiliza-se de tais serviços públicos, para sua sobrevivência. Posto que a empresa fornecedora do serviço dispõe de mecanismos legais pelas vias judiciais, para o ressarcimento dos valores não pagos, utilizando-se dos princípio do contraditório e da ampla defesa.

A interrupção do fornecimento de serviços públicos essenciais por causa da inadimplência do usuário é uma questão muito controvertida na doutrina e na jurisprudência. Onde aqueles que são favoráveis à suspensão do serviço, sustentam que a inadimplência do usuário causa prejuízos ao prestador de serviços, o qual não  é obrigado a prestar o serviço gratuitamente.

A Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, em seu art. 6º, §3º, III, prevê a possibilidade de interrupção, não se caracterizando como descontinuidade, devido à inadimplência do usuário, considerando o interesse da coletividade, desde que haja prévio aviso.

Por outro lado, os que sustentam tese contrária, apóiam-se que, por se tratar de serviços públicos essenciais são estes indispensáveis à sobrevivência humana, não admitindo que o cidadão seja privado de tal, por ser  essencial a sua vida, em decorrência de mera inadimplência.

Existem decisões nesse sentido da Corte Superior pelo Ministro José Augusto Delgado que, em julgamento ao recurso nº 8.915/MA-97/0062447-1 interposto pela Companhia Energética do Maranhão CEMAR pronunciou-se da seguinte maneira:

 

“(...) A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção; 4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público; 5. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade; 6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa; 7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.” (grifo nosso).

De um lado a Lei nº 8.987/95, que trata da concessão e permissão de serviços públicos, permite a interrupção do fornecimento de serviço público por inadimplência do usuário. Enquanto que o Código de Defesa do Consumidor determina que os serviços públicos essenciais devem ser prestados de forma contínua, embora exista lei prevendo a possibilidade de interrupção de tal fornecimento por inadimplência, o que não se justifica, por se tratar de um serviço essencial à vida, à saúde, à segurança, à dignidade e ao bem-estar das pessoas, pois a aplicação da lei deve ser feita com base nos valores e princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana.

A nobre doutrinadora  Maria Sylvia[11], entende que:

 "o usuário tem direito à prestação do serviço; se este lhe for indevidamente negado, pode exigir judicialmente o cumprimento da obrigação pelo concessionário; é comum ocorrerem casos de interrupção na prestação de serviços como os de luz, água e gás, quando o usuário interrompe o pagamento; mesmo nessas circunstâncias, existe jurisprudência no sentido de que o serviço, sendo essencial, não pode ser suspenso, cabendo ao concessionário cobrar do usuário as prestações devidas, usando das ações judiciais cabíveis."

Para Hely Lopes Meirelles, em seu Curso de Direito Administrativo Brasileiro, 32ª edição, ed. Malheiros, 2006, assevera que:

“Serviços uti singuli ou individuais: são os que têm usuários determinados e utilização particular e mensurável para cada destinatário, como ocorre com o telefone, a água e a energia elétrica domiciliares. (...) O não pagamento desses serviços por parte do usuário tem suscitado hesitações da jurisprudência sobre a legitimidade da suspensão de seu fornecimento. Há que se distinguir entre o serviço obrigatório e o facultativo. Naquele, a suspensão do fornecimento é ilegal, pois se a Administração o considera essencial, impondo-o coercitivamente ao usuário (como é a ligação domiciliar à rede de esgoto e da água e a limpeza urbana), não pode suprimi-lo por falta de pagamento; neste, é legítima, porque, sendo livre sua fruição, entende-se não essencial, e, portanto, suprimível quando o usuário deixar de remunerá-lo, sendo, entretanto, indispensável aviso prévio” (grifamos).

Assim tem sido o entendimento majoritário da jurisprudência, voltado para a aplicação da Lei 8.987/95, que possibilita a interrupção do fornecimento, por inadimplência, considerado o interesse da coletividade, após prévio aviso.

No entanto, muitos tem sido os casos em que a cobrança se dá de modo vexatório, o que fere a dignidade da pessoa humana, pois a nossa Carta Magna assegura em seus art.5º, XXXII cominado com art. 170, V , que o Estado promoverá,  na forma da lei, a defesa do consumidor, assim como a existência digna, conforme os ditames da justiça social, não podendo realizar cobranças de débitos do consumidor inadimplente expondo-o ao ridículo, nem qualquer tipo de constrangimento ou ameaça, nos termos do art. 42 CDC, sob pena de afrontar um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

O consumidor, embora inadimplente, pela regra do artigo 42 do CDC, "não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.",  nem poderá "na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer." (art. 71 do CDC).

Vale a pena trazer algumas situações em que o corte de fornecimento é sofrido pela Administração Pública, que embora possua tratamento diferenciado, é permitindo o corte, desde que não atinjam os essenciais, como hospitais, iluminação pública, universidades, dentre outros. Entendimento este empossado pela corte superior, em julgado de Recurso Especial nº 791713, 2ª Turma STJ, tendo como relator o Min. Castro Meira:

“(...) 2. O artigo 22 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), dispõe que: ‘os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos’. 3. O princípio da continuidade do serviço público assegurado pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor deve ser amenizado, ante a exegese do art. 6º, § 3º, II da Lei nº 8.987/95 que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. 4. Quando o consumidor é pessoa jurídica de direito público, prevalece nesta Turma a tese de que o corte de energia é possível, desde que não aconteça de forma indiscriminada, preservando-se as unidades públicas essenciais. (...).”

Atesta-se, ainda que a Lei Federal nº 9.427/96, que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL),  dispõe, em seu art. 17 que: “A suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a consumidor que preste serviço público ou essencial à população e cuja atividade sofra prejuízo será comunicada com antecedência de quinze dias ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual”.

Portanto, embora haja necessidade de comunicação prévia é permitido a suspensão do fornecimento a consumidor que presta serviço público.

Há entendimento, no sentido que, por ser o processo de distribuição de energia elétrica à população de elevado custo, este necessita de pagamento proporcional ao consumo para sua manutenção, qualidade e eficiência na sua prestação. O que ao se  admitir a não interrupção do fornecimento do serviço aos usuários inadimplentes,  poderá gerar um colapso no fornecimento e até mesmo a perda da qualidade, trazendo prejuízo para toda a coletividade.

Reforça tal entendimento os comentários da Profª Marinela[12] em  entrevista: “quando a Administração Pública é inadimplente, ela não deixa de ser uma usuária. Também está sujeita à regra do artigo 6º, parágrafo 3º (da Lei 8.987/95), que diz que em caso de inadimplemento pode cortar. Portanto, é possível cortar o serviço, mesmo que a usuária seja a própria Administração”.

Desta forma, o princípio da Continuidade deve ser entendido como a continuidade a que está obrigado o órgão público, e encarado sob o ângulo daqueles serviços definidos como essenciais, nos demais casos, havendo inadimplência por parte da Administração Pública, direta ou indireta, devem ser interrompido o fornecimento de energia elétrica.

Percebe-se, que o campo a qual se adentrou é acirrado a disputa, tendo argumentos prós e contra, onde de um lado temos a questão social, dignidade da pessoa humana, cobrança expondo o usuário a vexame e de outro a questão econômica o custo do serviço  e queda de qualidade do serviço e etc., devendo-se, dependendo do caso concreto, ponderar  as circunstâncias e situação, já que é possível a suspensão do fornecimento de tal serviço considerado essencial e inadiável, mesmo que tal interrupção acarrete visível afrontar a direitos emanados e assegurados constitucionalmente. Neste ponto, a solução mais acertada seria o racionamento, ao invés da interrupção.



 

[1] 

Orientação: Professor Amadeu Vidonho Junior, Msc da FAP, disciplina Análise de Casos II  

 

[1] Aluna do Curso do Direito da Estácio de Sá- FAP 8º período

[2] Aluna do Curso do Direito da Estácio de Sá - FAP 8º período

[3]Acórdão do STF – 2ª Turma, CT 17536, Rel. Min. Edgard Costa, publicado no DJ de 30.04.1956.

[4] BRASIL. LEI DELEGADA nº 04/62, de 27 de setembro de 1962 com retificação em 2.10.62. Dispõe sôbre a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo.

3. DERANI, Cristiane. Privatização e serviços públicos: as ações do estado na produção econômica.São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 61.

 

 

 

[6] MEIRELLES, Hely Lopes, ob. cit., p. 307.

[7] idem, ob. cit., p. 307.

 

[8] MADAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,  ob. Cit p. 382.

[9]  BASTOS, Celso Ribeiro, ob. cit., p. 165.

 

[10] 16 BASTOS. Celso Ribeiro, ob. cit., p. 142.

 

[11]Di Pietro, Maria Sylvia Zanello,Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, ed. Atlas, 2004

[12]MARINELA, Fernanda. Entrevista ao LFG News.

Com informações do http://www.jurisway.org.br

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