Circo Brasil

 

Opinião - 04/07/2003 - 17:42:54

 

Circo Brasil

 

Maria Lucia Victor Barbosa (*) .

Foto(s): Divulgação / Arquivo

 

De quando em vez passa por minha cidade, em intervalos que podem durar anos, o circo. Vem cada vez mais empobrecido, lona remendada, artistas e figurantes com cara de fome, animais tristes e maltratados. Relíquia de tempos passados, o circo teima em manter a magia da arte popular e anônima, conseguindo ainda encantar a platéia que se queda hipnotizada tão logo ouve o indefectível cumprimento: respeitável público! O Brasil tem muito a ver com circo. Os impostos que pagamos (e que segundo quem entende do assunto, os empresários, vão aumentar com a reforma tributária), além das altas taxas, nos torna como naquela canção, “palhaços das perdidas ilusões, cheios dos guisos falsos da alegria”. E, estatísticas à parte, basta olha pela TV a fila que no Rio de Janeiro luta por uma vaga de gari, para saber que no Circo Brasil o desemprego mantém a lona rota e os figurantes com cara de fome. Os sessenta mil, conforme o noticiário, que se acotovelam para obter a vaga, entre eles deficientes físicos, gente com curso superior, pessoas mais velhas, precisam ser de circo para sobreviver. E a decadência do circo perpassa pelo país incapaz de gerar emprego para o povo que o compõe. Acrescente-se que falta de oportunidade de trabalho é uma das piores desgraças que infelicitam o ser humano, pois tira-lhe a dignidade, rouba-lhe a paz, torna-o violento como as feras acuadas na jaula e maltratadas pelo domador. Mas é preciso que se diga, que o desemprego não está atingindo só os pobres. A mais penalizada por esse flagelo social é a classe média onde, justamente, estão os mais escolarizados. Num passado recente muito se falou da importância da educação para se subir na vida, para se conduzir o país ao progresso. Aumentaram as exigências para obtenção de emprego e pais não mediram sacrifícios para enviar seus filhos à escola, para mantê-los em universidades, para facultar-lhes o aprendizado do inglês e conhecimentos de informática. Julgaram que assim garantiriam para seus descendentes um lugar digno neste mundo cada vez mais competitivo e exigente em termos de competência. Agora desapareceu a ênfase na educação. E não há bons exemplos que venham de cima para estimular os jovens no sentido do esforço pessoal. Assim, foi com pesar que ouvi de um dos meus filhos: “Quanto mais preparados ficamos, menores são nossas chances de encontramos emprego”. Não o contestei, porque eu mesma ando buscando em vão meu último emprego. Digamos que muitos passam anos treinando para serem perfeitos trapezistas, mas na hora do espetáculo, quando é dado o salto mortal, se lhes retira a rede de proteção e eles partem para o abismo. No circo Brasil engolimos fogo das armas dos assaltantes, andamos na corda bamba da inflação, giramos no globo da morte das filas do INSS. Naturalmente, para as platéias mundiais, ainda apresentamos o encanto e a magia do fabuloso país do samba, não se podendo falar o mesmo do futebol depois dos fracassos com a Turquia e a Argentina. Mesmo assim, hipnotizamos os estrangeiros que aqui vêm em busca de nossos poderes afrodisíacos e de nossas belezas naturais estonteantes. Contudo, se continuarmos desse jeito, nos tornaremos a relíquia de um passado em que Copacabana era a princesinha do mar. É verdade que no circo Brasil ouve-se a cada espetáculo uma voz que sempre repete: “respeitável publico, vamos agora apresentar-lhe o espetáculo do crescimento”. E o respeitável público acredita, aplaude. vibra. Até que um dia a lona remendada desabe sobre a cabeça de todos. Talvez, então, o respeitável público entenderá que o circo é uma ilusão. (*) Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga e escritora (mlucia@sercomtel.com.br)

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