Gilberto Freyre, no início de seu livro Nordeste, diz que a palavra Nordeste é hoje uma palavra desfigurada. Comungando desse ajuizamento, não me incluo dentre os que, ao se referirem ao Nordeste, julgam estar tratando de uma região uniforme, composta de nove estados, do Maranhão à Bahia, e mais numerosos municípios setentrionais de Minas e do Espírito Santo. Esse Nordeste é uma ilusão geopolítica equivocada, que não encontra lastro histórico comum, não se confunde culturalmente e, muito menos, se junta em bases econômicas integradas. Elegê-lo como plataforma geopolítica, para o lançamento de planos e programas de desenvolvimento constituiu, e ainda constitui, erro primordial, que levou ao insucesso bem intencionadas políticas econômicas e, certamente, comprometerá outras, no futuro.
Diferentemente, se tivesse de delimitar uma região mais palpável, sob os aspectos socioeconômico, geopolítico e histórico, a traçaria mais densa, do Piauí às Alagoas, passando pelo centro de gravidade, na Paraíba e Pernambuco, e esmaeceria suas fronteiras a oeste do Rio Parnaíba e ao sul do São Francisco. Seria o Brasil Oriental.
Esse sumário ensaio de delimitação de um espaço regional me veio à mente, ao ler recente noticiário sobre a visita do presidente Lula aos Estados Unidos e ao avaliar a repercussão do seu afetuoso encontro com o colega Bush. O doutor em Geografia Humana pela USP, Demétrio Magnoli, em artigo, na Folha de São Paulo, dia 26 de junho passado, denuncia: o presidente brasileiro derrubou todo o edifício de argumentos construído pelo Itamaraty nos últimos sete anos, capitulando às posições dos Estados Unidos sobre a Alca. Também, na mesma Folha, o renomado economista Paulo Nogueira Batista Jr., invocando Fernando Pessoa, considera que escapar da Alca com todos os seus inconvenientes e ameaças à soberania do Brasil é um sonho que tem a possibilidade real da verdadeira desilusão.
À margem dessas visões catastróficas, e olhando o mundo a partir deste longínquo Brasil Oriental, não me assusta tanto o inferno da Alca, como vem sendo pintado, desde o lançamento do seu projeto, em 1995. Em vez de empurrar a questão, sem discussão objetiva, seria mais pragmático e proveitoso conviver, permanente e atentamente, com a ponderação da relação custo-benefício e aprender que, se nos vendem hambúrger com coca-cola, busquemos abrir mercado para a mão-de-vaca com cachaça.
Isso me faz relembrar o episódio de assentamento das bases (trampolins) americanas, no Norte/Nordeste, durante a II Guerra Mundial. Convencido, amigavelmente, pelos americanos, o ditador Vargas permitiu a invasão dos gringos, em troca de algumas vantagens, sendo a mais importante a viabilização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e a construção da Fábrica Nacional de Motores (FNM), hoje consideradas, orgulhosamente, os grandes marcos da industrialização brasileira, no Brasil Austral.
Agora, quando o presidente Lula parece decidido a colaborar para a implantação da Alca, seria mais sábio transformar o limão em gostosa limonada, acompanhando sugestão do secretário Alexandre Valença, em recente almoço-de-trabalho, promovido, na Fiepe, pelo presidente Jorge Wicks Corte Real. Isto por que a Alca poderá: (1) transformar o Brasil Oriental, mercê de sua posição estratégica, em relação aos mercados do Norte, da Europa e da África, em um novo trampolim, para difusão de mercadorias aqui produzidas, maquiadas (ckd), ou, simplesmente, entre-postadas, (2) ser a indutora, pela dócil bicada da águia americana, de um inusitado processo de integração nacional, reorientando os fluxos de interesses econômicos, no sentido Sul-Norte, em vez do Sul-Sul e (3) promover, de quebra, uma reparação histórica, 60 anos depois, a favor do Brasil Oriental, que abdicou, temporariamente, da sua soberania, tendo por paga a espoleta da industrialização meridional.
(*) José Aristophanes Pereira é consultor.
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