Após a divulgação de uma polêmica gravação de uma conversa com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado na qual sugere um "pacto" para tentar conter a operação Lava Jato, o ministro do Planejamento, Romero Jucá, anunciou na tarde desta segunda-feira que vai se licenciar do cargo.
"Vou pedir uma licença do meu cargo até que o Ministério Público se manifeste sobre meu caso", declarou Jucá a jornalistas após acompanhar o presidente interino, Michel Temer, e outros ministros da área econômica durante uma reunião com o presidente do Senado, Renan Calheiros.
Em gravação obtida por jornal, Jucá sugere pacto para deter Lava Jato
O ministro do Planejamento da gestão Michel Temer, Romero Jucá, sugeriu em março ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado a existência de um pacto para tentar deter o avanço da Operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção e formação de cartel em contratos da Petrobras, e relacionou o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff a um eventual abrandamento ou interrupção das apurações. A conversa foi gravada e revelada pelo jornal Folha de S.Paulo nesta segunda-feira, 23. Tanto Jucá, que tem mandato de senador pelo PMDB de Roraima, quanto Machado, que já foi senador e tinha apoio político do partido para comandar a subsidiária da Petrobras, estão entre os alvos da operação. "Tem que mudar o governo para estancar essa sangria", disse o atual ministro do Planejamento a Machado.
Nas conversas, de cerca de 1h15, que estão em poder dos investigadores do esquema de corrupção na Petrobras e ocorreram semanas antes da votação da admissibilidade do impeachment de Dilma Rousseff no plenário da Câmara dos Deputados, Jucá disse, sem citar nomes, que tinha conversado sobre a necessidade de brecar a Lava Jato com ministros do Supremo Tribunal Federal. Ele disse que um governo Michel Temer deveria construir um pacto nacional com o STF. E o ex-diretor da Transpetro retrucou: Aí parava tudo". "E. Delimitava onde está, pronto.", respondeu o ministro.
Em um outro trecho divulgado pelo jornal, Machado diz a Jucá: "O Janto (Rodrigo Janot) está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho... Ele acha que eu sou o caixa de vocês." O ex-dirigente da Transpetro estava preocupado que as apurações que envolvem o seu nome fossem transferidas de Brasília, onde tramitam no STF, para a vara do juiz Sergio Moro, em Curitiba. E chegou a dizer que novas delações no âmbito da Lava Jato não deixariam "pedra sobre pedra". Jucá concordou, de acordo com a reportagem, que o caso não poderia ficar nas mãos de Moro.
O atual ministro do Planejamento, de acordo com a matéria, orientou Machado a se reunir com o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), e com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Em um dos trechos divulgados, o ex-diretor da Transpetro diz que o presidente do Senado é "totalmente voador" e não percebeu que "a saída dele é o Michel e o Eduardo (Cunha)", explicando que assim que Cunha for cassado, o alvo é ele. Nas gravações, Jucá diz que Renan "não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha." E complementa: "Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra."
Machado deixou a diretoria da Transpetro, depois de cerca de dez anos, sob suspeita de ter repassado propina de empresas, em contrato com a estatal petrolífera, a políticos do PMDB. Ele confirmou em depoimento à Polícia Federal que foi indicado pelo PMDB nacional para este cargo, como disse em depoimento à Polícia Federal. Ele é alvo de inquérito no STF ao lado de Calheiros. O ministro também é alvo no STF de inquérito derivado da Lava Jato por suposto recebimento de propina.
O advogado de Jucá, o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, disse ao jornal que "ele jamais pensaria em fazer qualquer interferência" na Lava Jato e destacou que ele não tratou do assunto com ministros do STF. Machado não foi localizado pelo jornal para comentar a reportagem.
A conversa entre Jucá e Sérgio Machado
Receio sobre delações
Sérgio Machado: Acontece o seguinte, objetivamente falando, com o negócio que o Supremo fez [autorizou prisões logo após decisões de segunda instância], vai todo mundo delatar.
Romero Jucá: Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a Odebrecht vão fazer.
Machado: Odebrecht vai fazer.
Jucá: Seletiva, mas vai fazer.
Machado: Queiroz [Galvão] não sei se vai fazer ou não. A Camargo [Corrêa] vai fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho que... o Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.
Jucá: Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. (...) Tem que ser política, advogado não encontra [inaudível]. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra... Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
Expectativa sobre o impeachment
Machado: Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].
Jucá: Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.
Machado: É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.
Jucá: Com o Supremo, com tudo.
Machado: Com tudo, aí parava tudo.
Jucá: É. Delimitava onde está, pronto.
Envolvimento do PSDB
Machado: A situação é grave. Porque, Romero, eles querem pegar todos os políticos. É que aquele documento que foi dado...
Jucá: Acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova casta, pura, que não tem a ver com...
Machado: Isso, e pegar todo mundo. E o PSDB, não sei se caiu a ficha já.
Jucá: Caiu. Todos eles. Aloysio [Nunes, senador], [o hoje ministro José] Serra, Aécio [Neves, senador].
Machado: Caiu a ficha. Tasso [Jereissati] também caiu?
Jucá: Também. Todo mundo na bandeja para ser comido.
Avaliação sobre Aécio Neves (PSDB-MG)
Machado: O primeiro a ser comido vai ser o Aécio.
Jucá: Todos, porra. E vão pegando e vão...
(...)
Machado: É aquilo que você diz, o Aécio não ganha porra nenhuma...
Jucá: Não, esquece. Nenhum político desse tradicional ganha eleição, não.
Machado: O Aécio, rapaz... O Aécio não tem condição, a gente sabe disso. Quem que não sabe? Quem não conhece o esquema do Aécio? Eu, que participei de campanha do PSDB...
Jucá: É, a gente viveu tudo.
Conversas com membros do STF
Jucá: [Em voz baixa] Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem 'ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca'. Entendeu? Então... Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.
Machado: Eu acho o seguinte, a saída [para Dilma] é ou licença ou renúncia. A licença é mais suave. O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país volta à calma, ninguém aguenta mais. Essa cagada desses procuradores de São Paulo ajudou muito [referência possível ao pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público de SP e à condução coercitiva ele para depor no caso da Lava Jato].
Jucá: Os caras fizeram para poder inviabilizar ele de ir para um ministério. Agora vira obstrução da Justiça, não está deixando o cara, entendeu? Foi um ato violento...
Machado: ...E burro (...) Tem que ter uma paz, um...
Jucá: Eu acho que tem que ter um pacto.
Machado: Um caminho é buscar alguém que tem ligação com o Teori [Zavascki, relator da Lava Jato], mas parece que não tem ninguém.
Jucá: Não tem. É um cara fechado, foi ela [Dilma] que botou, um cara... Burocrata da... Ex-ministro do STJ [Superior Tribunal de Justiça].
Com informações da EFE, Agência Estado, Folha de São Paulo e Deutsche Welle
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