A razoável firmeza demonstrada pelos títulos da dívida brasileira diante das fortes oscilações dos papéis do Tesouro dos Estados Unidos não é mero acaso. Especialistas atribuem essa calmaria a uma operação conjunta entre Tesouro Nacional e Banco Central.
A estratégia é simples: consiste em deixar o mercado líquido e aproveitar a maré favorável para Brasil. Segundo esses agentes de mercado, é assim que o governo prepara o terreno para a próxima emissão soberana, que pode acontecer ainda este ano.
Sem muitas opções, os investidores que buscam papéis de emergentes acabam comprando bônus do país no mercado secundário e isso mantém o risco-país relativamente estável, apesar da dança dos 'Treasuries'.
"Acho que existe uma liquidez grande e não tem um número grande de emissores, diz José Olympio Pereira, um dos coordenadores do setor de estruturação de operações em mercado de capitais do Citigroup para a América Latina. "Dentro do cenário mundial favorável para o Brasil, isso ajuda."
Somente o resgate de papéis brasileiros que não serão rolados no segundo semestre deste ano deve liberar nas mãos dos investidores mais de 2,5 bilhões de dólares, nas contas de Paulo Bernardo, da área de mercado de capitais do banco espanhol BBVA no Brasil.
"É dinheiro que vai estar lá fora procurando por uma alocação. Esses investidores vão procurar papéis de empresas brasileiras e vão procurar República também", diz ele.
Isso sem contar a amortização de 400 milhões de dólares em juros pagos sobre os C-Bonds, que o governo faz em outubro. Segundo Fernando Leite, gestor de recursos da corretora Delta, os investidores dedicados a países emergentes tendem a reinvestir esse dinheiro em papéis brasileiros para manter a participação do país em suas carteiras.
"Isso acaba fazendo o risco-país cair", diz o gestor, citando outra boa razão para que a República aproveite a janela aberta. Segundo ele, são esses pagamentos de dívida externa que têm, em parte, alimentado o apetite pelos bônus do país.
Na sexta-feira, o Tesouro Nacional informou que, até o fim deste ano, terá comprado no mercado 5,640 bilhões de dólares, ante uma previsão inicial de 2,2 bilhões de dólares. A diferença fica por conta de pagamentos de parte do principal da dívida em bônus e de débitos com organismos multilaterais.
"É uma estratégia que ele está fazendo. O governo tira do dólar aqui de dentro, que está sobrando, pega esse dinheiro e manda lá para fora. Isso vai gerar caixa (para o detentor do título) e, para ter a mesma exposição em Brasil, ele reaplica", explica Leite.
ESTRATÉGIA DE RISCO
Mas o gestor ressalta que a estratégia não pode se sustentar por muito tempo, sob pena de deixar as reservas internacionais do país vulneráveis a uma crise global. O diretor da área internacional da Tesouraria do Unibanco, Luiz Mauricio Jardim, também acha arriscado.
"Isso tem um limite", diz ele, que acredita haver um bom espaço para emissões brasileiras no último trimestre.
Até o final de 2004, o Banco Central pretende captar 5,5 bilhões de dólares. A melhor hora para o início da operação é que se debate no mercado. Operadores ficam inquietos, com receio de que a janela se feche.
Para Paulo Bernardo, o governo "pode esperar um pouco, ver a liquidez no secundário ser favorável".
Segundo o especialista do BBVA, os bancos que tradicionalmente concorrem por esses recursos não devem voltar a emitir agora, devido às circunstâncias de mercado. "Não tem arbitragem em taxa de juros e não tem cliente tomando empréstimo em dólar."
A tendência, segundo Paulo Bernardo, é de que os recursos livres sejam usados na compra por papéis da República de prazo mais longo, de rentabilidade mais alta.
"Esse fenômeno já existe para papéis de curto prazo. Espero que se desenvolva para papéis de 3 a 5 anos", diz.
O perigo está no comportamento do mercado externo, sobretudo nos papéis do Tesouro norte-americano, que podem acabar desvirtuando o fluxo de capitais para mercados emergentes.
"Se o BC é pego no contrapé com contração de reservas", supõe Fernando Leite, "ele conta com a liquidez do mercado internacional para conseguir recompor o colchão."
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