Motivação da morte de Marielle envolve questão fundiária e milícia

 

Nacional - 24/03/2024 - 17:06:54

 

Motivação da morte de Marielle envolve questão fundiária e milícia

 

Da Redação com Abr

Foto(s): Divulgação / José Cruz / Abr

 

Ministro da Justiça destacou disputa política na Câmara Municipal

Ministro da Justiça destacou disputa política na Câmara Municipal

A principal motivação do assassinato da vereadora Marielle Franco, revelada neste domingo (24), envolve a disputa em torno da regularização de territórios no Rio de Janeiro.

Em coletiva de imprensa para apresentar os resultados da investigação, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, leu trechos do relatório da Polícia Federal (PF), de mais de 470 páginas, citando a divergência entre Marielle Franco e o grupo político do então vereador Chiquinho Brazão em torno do Projeto de Lei (PL) 174/2016, que buscava formalizar um condomínio na Zona Oeste da capital fluminense.

Citando uma "reação descontrolada" de Chiquinho Brazão pelo resultado apertado da votação do PL no plenário da Câmara Municipal, segundo relatório da PF, o ministro afirmou que o crime começou a ser preparado ainda no segundo semestre de 2017.      

"Me parece que todo esse volumoso conjunto de documentos que recebemos, esse é um trecho extremamente significativo, que mostra, pelo menos, a motivação básica do assassinato da vereadora Marielle Franco, que se opunha, justamente, a esse grupo, que, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, queria regularizar terras, para usá-las com fins comerciais, enquanto o grupo da vereadora queria usar essas terras para fins sociais, de moradia popular", afirmou Lewandowski.

Segundo ele, a PF apontou que Domingos Brazão, um dos envolvidos, tem longa relação com grilagem de terras e ação de milícias.  

Na mesma linha, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, mencionou os elementos apurados na investigação. "Motivação tem que ser analisada no contexto. O que há são várias situações que envolvem a vereadora Marielle Franco, que levaram a esse grupo de oposição, que envolve também a questão ligada a milícias, disputa de territórios, regularização de empreendimentos. Há seis anos, havia um cenário e culminou nessa disputa", afirmou o delegado.

Caso Marielle Franco

O diretor geral da PF, Andrei Rodrigues, durante coletiva sobre os mandantes do assassinato de Marielle Franco. Foto José Cruz/ Agência Brasil.

A investigação da Polícia Federal concluiu que os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão contrataram o ex-policial militar Ronnie Lessa para executar a vereadora Marielle Franco, em 2018. Na ocasião, o motorista dela, Anderson Gomes, também foi morto. Fernanda Chaves, assessora da vereadora, sobreviveu ao atentado.

A conclusão está no relatório final da investigação, divulgado após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirar o sigilo do inquérito.

Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, e Chiquinho Brazão, deputado federal, foram presos na manhã de hoje por determinação de Moraes.  

Segundo o ministro da Justiça, o crime é relevador do "modus operandi" da milícia e do crime organizado no Rio de Janeiro.

"A partir desse caso, nós podemos talvez desvendar outros casos, ou seguir o fio da meada cuja dimensão não temos clara. Essa investigação é uma espécie de radiografia de como opera a milícia e o crime organizado no Rio de Janeiro".

Delegado envolvido

No documento da PF, os investigadores mostram que o plano para executar Marielle contou com a participação de Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Policia Civil do Rio. Segundo a PF, Rivaldo “planejou meticulosamente” o crime. Barbosa também foi preso na operação desta manhã.


Delegado preso assumiu chefia da Polícia Civil na véspera do crime

Rivaldo é suspeito de receber propina para obstruir investigações - Publicado em 24/03/2024 - 13:35 

O delegado Rivaldo Barbosa, um dos presos neste domingo (24) pela Polícia Federal (PF), foi nomeado chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro no dia 8 de março de 2018, e tomou posse cinco dias depois, na véspera do assassinato da vereadora  Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O decreto de nomeação foi assinado pelo comandante da intervenção federal na segurança pública no estado do Rio de Janeiro, general Walter Braga Netto. O nome de Barbosa tinha sido anunciado para ocupar o cargo em 22 de fevereiro, durante a intervenção federal no Rio.

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Rivaldo Barbosa foi preso em casa, em um condomínio no bairro de Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Foto Divulgação / Fernando Frazão / Abr

A área de inteligência da Polícia Civil, na época da nomeação de Barbosa para comandar a instituição, havia contraindicado o nome dele. Mas, segundo informações dos investigadores da operação da PF, o general Braga Netto manteve posicionamento garantindo que ele assumisse a chefia da Polícia Civil fluminense.

Nomeado interventor na área de segurança do Rio pelo então presidente Michel Temer, Braga Netto, general da reserva, se transformou em político. Dois anos depois de sua passagem como interventor no Rio, foi nomeado ministro chefe da Casa Civil no governo de Jair Bolsonaro de 2020 a 2021. Depois, de 2021 a 2022, comandou foi ministro da Defesa. Filiou-se ao PL e concorreu  à Vice-Presidência na chapa liderada pelo então presidente em 2022.

Braga Netto é investigado por suposto envolvimento no planejamento de golpe de Estado para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Dissimulação

Em discurso ao tomar posse, Rivaldo Barbosa destacou a necessidade de “combater a corrupção”, dizendo que esta seria  uma de suas prioridades no cargo, no qual permaneceu de março a dezembro de 2018.

Informações sobre as investigações no Rio de Janeiro e em Brasília indicam que Rivaldo Barbosa teria feito uma combinação com o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Domingos Brazão, para garantir a não identificação dos mandantes do assassinato de Marielle Franco.

Barbosa também é suspeito de receber propina para obstruir as investigações sobre o crime. Segundo a PF, o delegado teria recebido aproximadamente R$ 400 mil para evitar que as apurações sobre a autoria do crime avançassem. Tal informação consta em relatório de 2019. Barbosa nega ter desenvolvido ações para obstruir as investigações e recebido o dinheiro.

Em delação, o ex-policial militar Ronnie Lessa disse à PF que Barbosa tinha conhecimento do crime e garantiu impunidade aos envolvidos.

Despistar

Ações do ex-chefe da Polícia Civil do Rio teriam plantado informações falsas durante a investigação do assassinato. Uma delas levou ao titular da Delegacia de Homicídios, Giniton Lages, então encarregado do caso, a falsa informação de que delegados da PF haviam encontrado uma suposta testemunha da execução.

Em 2018, foi ele que determinou que o policial militar Rodrigo Ferreira, conhecido como Ferreirinha, fosse interrogado. Ferreirinha fora apresentado como testemunha de conversa entre Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, e o vereador Marcelo Siciliano, na qual estes teriam falado sobre o planejamento da morte de Marielle. Ambos foram apontados como mandantes do crime. Cerca de nove meses depois, tal informação foi dada como falsa pela própria PF.

Além dessa pista falsa, Barbosa fez reunião com parlamentares da bancada do PSOL, partido da vereadora, na qual garantira o esclarecimento do crime. Para a imprensa, nessa época, o delegado afirmou que a Polícia estava no caminho correto das investigações, que levariam à elucidação do caso.

Barbosa é bacharel em Direito, curso concluído em 1998. Em suas redes sociais ele se apresenta como professor de direito em uma instituição de ensino superior privada.

O presidente da Embratur, que fez carreira política no Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, escreveu em sua rede social que Rivaldo Barbosa foi a primeira pessoa para quem ele ligou quando soube do assassinato de Marielle Franco e de Anderson Gomes.

Freixo lembra que foi recebido, junto com as famílias das vítimas, pelo então chefe da Policia Civil do Rio no dia seguinte ao crime. “Agora Rivaldo está preso por ter atuado para proteger os mandantes do crime, impedindo que as investigações avançassem. Isso diz muito sobre o Rio de Janeiro”, afirmou.

Em entrevista à imprensa, em 15 de março de 2018 - um dia após o assassinato, Barbosa havia garantido que a polícia adotaria todas as medidas “possíveis e impossíveis” para dar uma resposta sobre o crime. “Estamos diante de um caso extremamente grave e que atenta contra a dignidade da pessoa humana e contra a democracia”, dissera.


"O que pode ser dito é que, antes do crime, havia uma relação indevida desse [Rivaldo], que era então chefe da Delegacia de Homicídios, depois, chefe de Polícia, para desviar o foco da investigação daqueles que são os verdadeiros mandantes do crime", observou o diretor-geral da PF.

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