A declaração do presidente Lula feita recentemente no Japão, de que "é preciso ter saco para aturar a Argentina", não recebeu réplica de seu correspondente argentino, Néstor Kirchner, nem da chancelaria portenha, informou nesta terça-feira o diário El Clarín, de Buenos Aires. Até pelo contrário, pois as palavras de Lula, vertidas para o espanhol pela imprensa local, tiveram um significado mais elogioso que o pretendido originalmente pelo petista. A tradução da frase, que se tornou em território portenho "Tenemos que tener bolas para bancar a los argentinos", significa algo como "temos de ser machos para agüentar os argentinos". A interpretação resultou em comentários irônicos de alguns integrantes do governo Kirchner - porém nunca indignados, de acordo com o Clarín.
Segundo a publicação, a frase motivou até uma "secreta satisfação" de parte de algumas fontes consultadas. Uma delas, ligada à diplomacia local, declarou, em sigilo e sem poupar ironia, que Lula acabou revelando "de um modo pouco ortodoxo" que a Argentina tem alguma importância para o Brasil.
O Clarín diz ainda que, nos corredores da Casa Rosada, comenta-se que Lula e o Brasil reconhecem que a Argentina é um sócio "inescapável", apesar do tom de fastio das palavras do presidente brasileiro. O jornal de Buenos Aires chega a justificar as afirmações, lembrando a retirada intempestiva de Kirchner da Cúpula América do Sul- Países Árabes, em Brasília, um dia antes de seu encerramento.
O próprio chanceler argentino, Rafael Bielsa, sinalizou uma certa trégua há poucos dias, face ao histórico recente de tensão diplomática entre os dois países, acirrado por críticas de Kirchner às pretensões brasileiras de ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU e à invasão de produtos feitos no Brasil no território portenho. Bielsa disse que a Argentina é um "sócio incômodo, pouco confortável mas nunca caprichoso".
Apesar de o governo argentino ter recebido com certa tranqüilidade a frase de Lula, na terça-feira Kirchner voltou a alfinetar o Brasil, durante a Conferência Permanente de Partidos Políticos da América Latina e Caribe. Sem fazer alusão direta ao colega brasileiro, o presidente declarou que é difícil resolver os problemas continentais porque países da região priorizam soluções individuais em detrimento das coletivas.
A fala soou como um recado a Lula, apontando mais uma vez para o descontentamento argentino com as relações de comércio com a nação vizinha, a questão da ONU e os esforços brasileiros de obter um protagonismo regional.
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