O nível de tensão entre as forças políticas no Congresso, exposto pelas denúncias, ameaças, retaliações, desentendimentos e bate-bocas entre parlamentares, pode ser medido também pela quantidade de ações judiciais contra decisões da Câmara e do Senado, muitas delas provocadas pelos próprios parlamentares. O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu 56 ações (mandados de segurança) contra decisões da Mesa da Câmara, da Corregedoria, do Conselho de Ética, da Comissão de Constituição e Justiça e de seis comissões parlamentares de inquérito na atual legislatura (iniciada em 2003). Contra instâncias do Senado, foram 11 ações, incluindo pedidos de habeas corpus.
"Este é um sintoma de que as forças políticas e partidárias não estão conseguindo impor a si mesmas um código de conduta minimamente aceito, um sinal de crise de autoridade", disse um ministro do Supremo que preferiu não ser identificado.
Não se trata de ações para contestar leis produzidas pelo Congresso, o que é considerado natural, mas contra medidas disciplinares, decisões administrativas e na esfera penal, muitas delas para decidir pendências envolvendo os próprios parlamentares, como os processos de cassação, a criação de CPIs e a interpretação dos regimentos.
"Estamos fazendo política para os políticos, e o resultado, além da perda do respeito da sociedade pelo Legislativo, é a perda de respeito entre nós mesmos", disse o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), um veterano com oito mandatos.
Pressão em dobro
A pressão externa sobre os deputados aumentou. De fevereiro a setembro, ocorreram 160 manifestações de grupos de pressão nas dependências da Câmara, o dobro do mesmo período em 2004, segundo levantamento do serviço de segurança.
No Senado, desde que Jader Barbalho (PMDB-PA) e Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) se trataram por ladrão, corrupto e safado, na disputa pela presidência em 2001, o vale-tudo marca presença no plenário.
Na última semana, quando a temperatura chegou aos 35 graus em Brasília, envolveram-se em bate-bocas nas sessões os sempre cordatos senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE), Eduardo Suplicy (PT-SP), João Alberto (PMDB-MA) e até o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL).
"A luta parlamentar exige regimentos e rituais, daí nos tratarmos por Vossa Excelência e não por você", recorda outro veterano da Câmara, o deputado Jutahy Junior (PSDB-BA). "O presidente Jânio Quadros dizia que a intimidade gera filhos e aborrecimentos. No ambiente atual, o que não falta é aborrecimento e constrangimento."
Entre as muitas razões apontadas para a crise do Congresso estão o acirramento da disputa entre governo e oposição e o rebaixamento geral da qualidade política dos líderes partidários. "Não temos disputa política, só batalhas sangrentas, e não vejo nenhum herói, nenhum cruzado valoroso na liça", disse o deputado Delfim Netto (PMDB-SP), 77 anos, um dos decanos do Congresso
Pega-ladrão
O chamado escândalo do mensalão levou à renúncia, à destituição ou a processos de cassação quatro líderes de bancada e cinco presidentes de partidos. Um ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), sofre processo de cassação. Seu sucessor, Severino Cavalcanti (PP-PE), renunciou para não ser processado, devido a denúncias paralelas. "Os piores dominam a cena, e eles procriam cada vez mais", acrescentou Delfim Netto.
Na atual legislatura, a Câmara cassou dois deputados por quebra de decoro - André Luiz (PMDB-RJ) e Roberto Jefferson (PTB-RJ) -, outros 16 foram ou estão sendo processados no Conselho de Ética e dois tiveram registro cassado pela Justiça Eleitoral. É o maior volume de processos desde a legislatura 1991-1994, quando 16 deputados e um suplente foram acusados pela CPI do Orçamento, seis dos quais, cassados pelo plenário.
O deputado Roberto Brant (PFL-MG), um dos processados no Conselho de Ética, acusado de uso de caixa dois na campanha eleitoral, diz que o debate político perdeu relevância diante das tentativas de desqualificação moral dos adversários.
"Vivemos num ambiente de pega-ladrão que desconstrói as bases do relacionamento político", afirma Brant, ex-ministro da Previdência, no quinto mandato. "Sempre que essa distorção ocorreu no Brasil, como nos anos 50 e 60, a democracia saiu perdendo."
O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), argumenta que a luta política sempre foi muito acirrada no Brasil, mas alerta para as consequências do acirramento da disputa entre as forças do governo e da oposição.
"Karl Marx ensinava que a luta de classes pode terminar com a vitória de uma sobre outra ou com a destruição de ambas," compara o deputado comunista. "Se os partidos se atacam numa luta sem fronteira e sem limites, o resultado ode ser um processo de autodestruição."
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