Quatro mães acusadas de não acompanhar a vida escolar e o comportamento dos filhos tiveram a prisão pedida pelo Ministério Público em Mirassol, a 453 km de São Paulo. A justificativa do MP é que elas cometeram abandono intelectual ao não explicar, durante audiência com o promotor, os motivos pelos quais os filhos estavam faltando às aulas ou fazendo uso de entorpecentes. A prisão foi solicitada pelo promotor José Heitor dos Santos, da Vara da Infância e da Juventude, ao ouvir as mães na semana passada e ontem.
Segundo Santos, elas cometeram abandono intelectual, crime previsto no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, ao não zelarem pela educação e comportamento dos filhos. As mães saíram da sala do promotor escoltadas por policiais armados e foram colocadas em camburões para serem levadas à Delegacia da Mulher.
Na repartição policial, elas foram ouvidas e liberadas. A delegada da Mulher de Mirassol, Junia Cristina Macedo, alegou questões sociais e legais liberá-las. Segundo ela, todas as mães são trabalhadoras, separadas judicialmente ou divorciadas e enfrentam problemas para receber, ou não recebem, pensões alimentícias. "Se eu as prendesse, estaria cometendo um mal social muito maior: quem iria cuidar dessas crianças?", disse. "E, depois, com os antecedentes, elas seriam despedidas e como conseguiriam novos empregos?".
Além disso, segundo a delegada, no seu entendimento, faltou amparo legal para prender as mães. "O artigo 133 prevê que tem de haver dolo para que, no abandono, seja caracterizada culpa e isso não ocorreu. Nenhuma das mães cometeu essa culpa por querer", afirmou.
As mães alegaram que foram humilhadas pelo promotor, que teria cometido abuso de autoridade ao colocá-las em camburões sob vigilância de homens armados. "Saí do fórum escoltada por policiais armados e por cinco viaturas. Não sou nenhuma criminosa", afirmou a vendedora Eliana Bonifácio Pereira, cujo filho de 14 anos, que mora na cidade de Jaci (comarca de Mirassol) com a avó, foi retirado de sala de aula porque ouvia música no celular.
"Meu filho se veste bem, não usa drogas, nunca repetiu de ano, sempre foi bem alimentado. Não é porque mora com a avó que ele é abandonado", declarou Eliana, cujos patrões foram à delegacia de polícia para comprovar que ela tem emprego fixo. A vendedora disse que levou o filho para morar com ela, em São José do Rio Preto. "Ele só não estava estudando aqui por falta de vagas. Faz um ano que mudei para cá e ele queria ficar com a avó", explicou.
"O que fizeram foi um show para as TVs, que filmaram a gente e nos expuseram como criminosas. Não sou uma bandida para subir em viatura e ser vigiada por policiais", declarou Rosangela Soares de Andrade, que passou mal ao saber, na sala do promotor, que poderia ser presa. "Fiquei revoltada mesmo e ainda queriam me levar de viatura para o hospital, se já não bastasse a humilhação que estava passando", contou Rosangela, que trabalha à noite cuidando de doentes.
Ela negou o abandono. "Em todas as reuniões de escola eu fui, se ele acha que abandonei é só ir lá e ver minhas assinaturas nas reuniões de pais", contou. Segundo ela, seu filho de 14 anos não faz uso de entorpecente.
Outra mãe detida foi C.A.F., 33 anos, portadora de hepatite C e cirrose hepática. Há dois anos, ela teria amarrado o filho na cama, a pedido do próprio garoto, para que não saísse em busca de crack. Na ocasião, ele foi levado para tratamento numa clínica. Com 15 anos, o menino é dependente químico e tem passagens por furto para comprar a droga. À delegada, a mãe alegou que, por conta da doença, que a obriga a respirar com aparelhos parte do dia, não tem condições de vigiar o garoto 24 horas.
A quarta mãe detida foi uma trabalhadora rural identificada apenas como Sílvia. Ela alegou que não poderia cuidar do filho porque sai de casa às 6h para trabalhar e volta ao anoitecer, após as 18h. No entanto, em depoimento à polícia, Sílvia disse que vai deixar o trabalho para se dedicar ao filho e que espera receber cestas de alimentos da assistência social do município.
Procurado na tarde desta quinta-feira para falar sobre o assunto, o promotor José Heitor dos Santos não foi localizado em Mirassol. Segundo sua secretária, ele viajou para outra cidade para dar aulas. Em declarações feitas à imprensa anteriormente, ele alegou que as mães deveriam ser presas porque não zelaram pela vida dos filhos. Segundo Santos, os jovens eram acompanhados pelo Conselho Tutelar e vinham apresentando mau comportamento e faltando às aulas. De acordo com o promotor, cerca de outros 200 pais devem ser chamados ao MP nos próximos dias para explicar as atitudes dos filhos.