Os casos de abuso sexual envolvendo padres e ex-coroinhas na cidade de Arapiraca, agreste de Alagoas, acontecem há pelo menos 15 anos. As contas são da Polícia Civil. Contudo, somente há um mês os moradores do município de pouco mais de 200 mil habitantes viram a história ganhar uma dimensão incontrolável: pela TV, assistiram um monsenhor fazendo sexo com um ex-coroinha; um padre confessar, em depoimento à CPI da Pedofilia, ser homossexual e participar de orgias com menores na concatedral da cidade, pagando os programas com o dízimo recolhido pelos fiéis e citando outros membros da Igreja em festas reservadas; e um monsenhor, 85 anos, preso por tentativa de fuga, por causa das acusações.
A delegada Maria Angelita de Lucena e Melo Souza ouviu mais de 40 pessoas em quase dois meses de investigação. O caso corre em segredo de Justiça, deve ser encerrado na primeira quinzena de maio, mas ela fala alguns detalhes: os encontros entre menores e os padres aconteciam em uma casa de veraneio, na Barra de São Miguel (litoral sul do Estado) e na casa do monsenhor; em um dos depoimentos, um rapaz diz que era abusado pelos padres desde os 12 anos.
"Temos depoimentos de pessoas, que eram menores de 15 anos na época, e que relatam os abusos", diz a delegada. "Esses casos acontecem há pelo menos 15 anos", afirma. "Temos imagens mais outros elementos comprobatórios, como documentos. O inquérito já é bastante firme, mas temos algumas diligências a serem feitas."
Oficialmente, dois monsenhores e um padre são investigados em Arapiraca, mas outro, da cidade de Craíbas, interior do Estado, foi denunciado pelo Ministério Público Federal há duas semanas. Ele tinha imagens de menores em seu computador, cometendo atos libidinosos.
Baixo clero
Ex-coroinhas são investigados também. Eles são acusados de cobrar propina contra um monsenhor para que um vídeo, com imagens de sexo, não fosse divulgado. O caso está na Polícia Civil. Eles teriam cobrado R$ 5 milhões e uma gravação, feita pelo advogado dos padres, Daniel Fernandes, mostraria as negociações
Os ex-coroinhas negam a extorsão e dizem que a gravação foi editada. O deputado estadual Dudu Albuquerque (PSDC) disse ter intermediado, no fim do ano passado, uma reunião entre dois advogados dos jovens que denunciam abusos sexuais, o monsenhor Luiz Marques Barbosa e seu advogado, Daniel Fernandes. Ele negou participação na suposta negociação para que o vídeo não viesse a público.
Pressionada, a Igreja Católica alagoana, através do arcebispo da cidade de Penedo, Dom Valério Brêda, emitiu duas notas depois do escândalo, onde reconhece os casos de pedofilia e pede a apuração do Ministério Público Estadual.
Silêncio no Estado
Padres evitam tocar no assunto; pessoas ligadas a Igreja não falam por telefone, nem com os amigos; o arcebispo de Maceió, dom Antônio Muniz, que comanda a Igreja no Estado, não se pronunciou.
Políticos de Arapiraca também não falam. O prefeito, Luciano Barbosa (PMDB), não disse uma palavra, após as denúncias. Vereadores tocam as sessões legislativas sem citar o escândalo dos religiosos.
O senador Magno Malta (PR/ES), presidente da CPI, durante os depoimentos, estranhou a ausência dos representantes do povo. Apenas a vereadora conhecida como professora Graça (PTN) apareceu aos depoimentos da CPI da Pedofilia, na semana passada, no fórum de Arapiraca. Mesmo assim, ela disse ter ido ao local como "bacharel em Direito". "Para quem é bacharel, a aula da CPI foi bastante interessante." E sobre o escândalo? "Não posso falar pelos outros vereadores, mas tudo isso é lamentável. O povo de Arapiraca não merecia nada disso."
Críticos são minoria
A aparente apatia é quebrada aos poucos, dentro e fora de Alagoas. Embalados pelo papa Bento XVI, que pediu perdão aos casos de abuso sexual envolvendo membros da Igreja, e aceitou a renúncia e demissão de bispos da Igreja, católicos se movimentam para reanimar a Igreja, em Arapiraca.
O padre Fábio de Melo, fenômeno no mercado fonográfico brasileiro, em depoimento à TV Canção Nova, canal oficial da Igreja, defendeu a punição aos padres infratores e mandou recado aos fiéis. "O Cristo que eu anuncio não é pedófilo. Considero abomináveis esses padres que se utilizaram do poder do sacerdócio para abusar de crianças. Quanto maior é a autoridade religiosa, maior deve ser o seu zelo com a comunidade", disse.
Bispo auxiliar de Aracaju e ex-integrante da Igreja alagoana, dom Henrique Soares também defende punições em seu sermão eletrônico. Em carta publicada no blog do bispo e distribuída através do correio eletrônico, o religioso pede aos sacerdotes que não se deixem abater pelo escândalo.
"Nunca vos envergonheis do santo ministério ao qual o Senhor vos chamou! Nunca deixeis que a má conduta vergonhosa e reprovável de uns poucos, tão gozosamente divulgada por um mundo sedento de escândalos, vos faça esquecer a multidão de tantos sacerdotes santos, que com amor, com dedicação admirável, entregam toda a vida, de corpo e alma, ao serviço de Cristo e dos irmãos!"