A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a proposta apresentada pelo ministro Marco Aurélio Mello de adotar o critério da continuidade delitiva em vez do concurso material para a fixação das penas dos condenados no processo do mensalão. A tese de Marco Aurélio reduziria as penas de 16 réus em pelo menos um terço.
O único a seguir o entendimento de Marco Aurélio foi o revisor do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski. Para ele, houve "claramente uma desproporção" na definição das penas. "É preciso considerar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que estão na Constituição", alegou Lewandowski.
Rosa Weber foi a primeira a mostrar discordância em relação à proposta de Marco Aurélio. Para a ministra, o Supremo estaria sendo incoerente e contraditório caso acatasse a continuidade delitiva uma vez que parte dos ministros entendeu que não havia uma unidade na execução dos crimes, mas sim uma coautoria entre os réus para o cometimento de crimes diversos.
Para Luiz Fux, as penas foram fixadas "à luz da razoabilidade", motivo pelo qual rejeitou a proposta. Cármen Lúcia ressaltou que respeita e valoriza as colocações do ministro Marco Aurélio, mas também acompanhou o relator. Durante seu voto, a ministra lembrou a "coerência" de Marco Aurélio, que em 2001 proferiu um voto similar sobre o tema da continuidade delitiva.
"Para que ocorra a continuidade é necessário que os delitos tenham sido praticados pelos agentes tendo em conta a mesma data, hora e local dos crimes. E não foi isso o que aconteceu", explicou a ministra.
O ministro Gilmar Mendes esclareceu que não há como aceitar a posição de Marco Aurélio e defendida por Lewandowski de aceitar sob um mesmo guarda-chuva crimes de natureza tão diferentes como peculato, corrupção e lavagem de dinheiro. "Estamos a falar de uma prática que teve uma conexão temporal de dois, três anos e que nós mesmos estabelecemos de forma diversa na jurisprudência do tribunal", afirmou.
Com a definição sobre qual foi a característica dos crimes cometidos, as penas impostas até o momento aos 25 condenados do mensalão permanecem inalteradas. Somadas, as punições fixadas pelo Supremo chegam a 280 anos de prisão.
Proposta rejeitada
A proposta do ministro Marco Aurélio foi formulada a partir de pedidos da defesa para que penas para crimes da mesma espécie fossem unificadas. O ministro entendeu que crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro poderiam coexistir sob a mesma punição. A exceção seriam as condenações por formação de quadrilha que, segundo o ministro, seriam crimes contra a paz pública.
As penas propostas até agora, que totalizam 280 anos, foram fixadas levando em conta o concurso material, quando o mesmo crime é cometido diversas vezes em ações distintas. Seguindo esse critério, uma pena foi fixada para cada um dos crimes.
No caso da continuidade delitiva, base da proposta de Marco Aurélio, considera-se que o primeiro crime levou ao segundo, e assim por diante. Ou seja, o mesmo crime foi praticado de formas diferentes e continuamente. Assim, aplica-se a pena mais grave, que pode ser ampliada de um sexto a dois terços.
Isso quer dizer que condenados a vários crimes, como Marcos Valério, que foi punido por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, ficaria apenas com a pena mais alta desses delitos, no caso a de lavagem de dinheiro. A ela seria acrescida a pena por formação de quadrilha, que não entra na contagem por não ser contra a administração pública.
O próprio ministro tinha consciência de que não teria guarida entre os colegas de plenário. Durante o intervalo da sessão desta quarta-feira, Marco Aurélio foi irônico. "Estou muito acostumado a ficar isolado no plenário. Não sei se fico ou se terei alguma solidariedade na minha forma de pensar. Quem sabe se reafirma a máxima dos antigos, a virtude do meio-termo", disse.