"> Brigitte Bardot morre aos 91 anos e reacende debate sobre legado, liberdade e contradições

 

TV - 28/12/2025 - 10:15:25

 

Brigitte Bardot morre aos 91 anos e reacende debate sobre legado, liberdade e contradições

 

Da Redação .

Foto(s): Divulgação / Wikimedia Commons

 

Símbolo máximo do erotismo no cinema europeu dos anos 1950 e 1960 e referência mundial da cultura pop, Brigitte Bardot morreu aos 91 anos, em sua casa no sul da França, deixando um rastro de admiração, polêmicas e um debate intenso sobre o impacto de sua filmografia.

Símbolo máximo do erotismo no cinema europeu dos anos 1950 e 1960 e referência mundial da cultura pop, Brigitte Bardot morreu aos 91 anos, em sua casa no sul da França, deixando um rastro de admiração, polêmicas e um debate intenso sobre o impacto de sua filmografia.

A atriz, nascida em 28 de setembro de 1934 em Paris, morreu neste domingo, 28 de dezembro de 2025, em Saint-Tropez, segundo anunciou sua fundação dedicada à proteção dos animais, sem divulgação da causa da morte e sem, por enquanto, definição sobre funeral ou cerimônias públicas.​

Último ato de um ícone francês

Brigitte Bardot consolidou-se como um dos rostos centrais do chamado “novo cinema” francês, impulsionada por uma imagem associada à liberdade sexual, ao hedonismo e a uma nova forma de feminilidade na Europa do pós-guerra. A morte da atriz motivou manifestações imediatas de autoridades francesas, críticos de cinema, colegas de geração e artistas contemporâneos, que enxergam na trajetória de Bardot um divisor de águas entre o cinema de costumes rígidos do pós-guerra e uma cultura visual marcada pela exposição do corpo e pela autonomia das personagens femininas.​

Segundo comunicado da Fundação Brigitte Bardot, a atriz morreu em sua residência no sul da França, onde vivia reclusa e dedicada integralmente à militância em defesa dos animais, causa à qual se voltou de forma quase exclusiva a partir de sua aposentadoria do cinema em 1973.​

Reações na França e no mundo

O presidente francês Emmanuel Macron descreveu Bardot como uma figura que encarnou “uma vida de liberdade”, destacando seus filmes, sua voz, sua presença na cultura popular e sua transformação em símbolo nacional, comparando seu rosto à figura de Marianne. Na indústria do cinema, cineastas e atores franceses ressaltaram a importância de Bardot para a internacionalização do cinema de seu país, lembrando que ela foi, durante pelo menos uma década, o rosto francês mais conhecido no mundo.​

Críticos de cinema na Europa e nos Estados Unidos enfatizam que a morte de Bardot encerra de forma definitiva uma era em que o star system ainda dependia de poucos rostos globais, e em que a aura de uma estrela podia reposicionar um país inteiro no mapa cultural. Ao mesmo tempo, autores e militantes de direitos civis lembram que a atriz também acumulou declarações e posicionamentos políticos controversos nas últimas décadas, o que torna qualquer balanço de seu legado necessariamente atravessado por tensões.​

De sex symbol a ativista

Brigitte Bardot estreou no cinema em 1952, em produções ainda modestas e em papéis secundários, enquanto trabalhava também como modelo e se projetava na imprensa francesa. A virada ocorreu a partir de meados dos anos 1950, com filmes que exploravam seu magnetismo em papéis de jovens mulheres que confrontavam códigos morais consolidados, antecipando discussões sobre sexualidade e autonomia feminina.​

Nos anos 1960, já consagrada, Bardot passou a alternar comédias, melodramas e obras de autores mais experimentais, consolidando uma filmografia que é vista, por críticos, tanto como retrato de época quanto como laboratório de novas formas de dirigir, iluminar e filmar o corpo no cinema comercial europeu. Em 1973, aos 39 anos, ela decidiu se retirar do cinema e do showbusiness, focando sua atuação em causas animalistas, criando a Fundação Brigitte Bardot, que passou a operar globalmente em campanhas contra maus-tratos, testes em animais e certas práticas tradicionais de abate.​

Filmografia essencial e datas

Embora Bardot tenha atuado em dezenas de filmes entre 1952 e 1973, alguns títulos se tornaram centrais na leitura de seu impacto estético e cultural.​

  • “Le Trou normand” (Crazy for Love, 1952) marcou uma das primeiras aparições de Bardot em longa-metragem, ainda em um contexto de comédia ligeira e com a atriz em fase inicial de carreira.​

  • “Manina, la fille sans voile” (Manina, the Girl in the Bikini, 1952) trouxe Bardot em papel que já investia na associação entre juventude, praia e exposição do corpo, antecipando imagens que se tornariam centrais em sua persona pública.​

  • “En effeuillant la marguerite” (Plucking the Daisy, 1956) reforçou a ligação da atriz com personagens que oscilavam entre ingenuidade e provocação, em um registro de comédia de costumes.​

  • “Et Dieu… créa la femme” (And God Created Woman, 1956), dirigido por Roger Vadim, é considerado o filme que transformou Bardot em ícone internacional, com a personagem Juliette Hardy sintetizando uma mulher que rompe o controle moral de uma pequena cidade e redefine a forma como o desejo feminino é mostrado na tela.​

  • “La Vérité” (A Verdade, 1960), de Henri-Georges Clouzot, levou Bardot a um registro dramático intenso, com a personagem Dominique Marceau envolvida em um julgamento por assassinato, e rendeu à atriz o prêmio David di Donatello de melhor atriz estrangeira.​

  • “Vie privée” (A Very Private Affair, 1962) aproximou ficção e realidade ao narrar a história de uma estrela perseguida pela fama, ecoando a própria experiência de Bardot diante da imprensa e da cultura de celebridades.​

  • “Le Mépris” (Contempt, 1963), de Jean-Luc Godard, tornou-se um dos títulos mais estudados de sua filmografia, com Bardot no papel de Camille Javal, em um filme que discute crise conjugal, indústria cinematográfica e o próprio ato de filmar.​

  • “Viva Maria!” (1965), de Louis Malle, apresentou Bardot em dupla com Jeanne Moreau em uma aventura político-cômica, e lhe rendeu indicação ao prêmio BAFTA de melhor atriz estrangeira.​

  • “Shalako” (1968), produção falada em inglês, colocou Bardot ao lado de Sean Connery em um western europeu, evidenciando sua capacidade de transitar por coproduções e mercados distintos.​

  • “Don Juan 1973 ou Si Don Juan était une femme…” (Don Juan, or If Don Juan Were a Woman, 1973) reuniu novamente Bardot e o diretor Roger Vadim, agora com a atriz interpretando uma versão feminina de Don Juan, em um filme frequentemente visto como síntese extrema de seu mito de sedução.​

Comparação de fases e personagens

Ao longo de duas décadas, a filmografia de Bardot pode ser dividida, grosso modo, em três fases: início em papéis secundários, consolidação como protagonista em comédias e dramas de costumes, e período de colaboração com grandes autores, seguido de experimentos de gênero e coproduções internacionais. Nos anos 1950, sua presença em filmes como “Crazy for Love” e “Manina” mostrava uma jovem atriz ainda inserida em narrativas tradicionais, mas já enquadrada pela câmera como centro do desejo, muitas vezes em contraste com personagens masculinos mais rígidos.​

Com “And God Created Woman”, a personagem Juliette Hardy rompe o molde da jovem coadjuvante e torna-se eixo de conflito em uma sociedade provinciana, o que especialistas descrevem como um ponto de virada na representação feminina na cinematografia francesa comercial. Na década de 1960, Bardot passa a ocupar papéis que combinam erotismo, fragilidade e consciência de si, como Dominique em “La Vérité” e Camille em “Le Mépris”, em filmes que são, ao mesmo tempo, melodramas e metarretratos do próprio cinema.​

Críticos contemporâneos apontam que, em “Le Mépris”, a maneira como Godard filma Bardot revela uma tensão permanente entre o olhar que a reduz a objeto e os momentos em que sua personagem afirma autonomia, o que faz do filme uma chave para compreender o lugar da atriz na cultura do século XX. Em “Viva Maria!” e “Shalako”, por outro lado, Bardot aparece integrada a fórmulas de entretenimento mais convencionais, o que ilustra a tentativa de conciliar o prestígio autoral com a lógica de coproduções internacionais e a expansão de mercado.​

Nos trabalhos finais, como “Don Juan 1973”, a figura da mulher que domina e destrói os homens que a cercam é levada ao limite, em uma leitura que parte da crítica vê como autocrítica do mito Bardot, enquanto outra parte enxerga apenas a repetição de uma fórmula já exaurida. Após 1973, a ausência de novos filmes congela a imagem da atriz em um recorte muito específico de tempo, o que contribui para que sua figura continue associada, décadas depois, à juventude e a um certo ideal de sensualidade ligada aos anos 1960.​

Opiniões de críticos, cineastas e celebridades

Críticos de publicações especializadas em cinema europeu ressaltam que a importância de Bardot vai além de seu papel como símbolo sexual, destacando sua colaboração com diretores como Henri-Georges Clouzot, Jean-Luc Godard e Louis Malle como elementos centrais para a consolidação de um cinema francês mais autoral e, ao mesmo tempo, popular. Para esses analistas, “La Vérité” e “Le Mépris” são as obras que melhor revelam seu alcance dramático, afastando a leitura de que sua carreira se resumiria à imagem e ao escândalo.​

Cineastas de gerações posteriores, que cresceram sob o impacto da nouvelle vague e do cinema de autor europeu, já se manifestam em redes e veículos especializados indicando Bardot como referência visual e como figura que abriu caminho para personagens femininas mais complexas. Em Hollywood, atores e atrizes que a citavam como inspiração sublinham, em depoimentos recentes, que a morte de Bardot remete a uma era em que a circulação internacional de filmes era mais limitada, o que conferia a certas estrelas uma aura hoje considerada irrepetível.​

Artistas e celebridades ligadas à causa animal destacam o papel de Bardot na transformação da pauta de proteção animal em tema global, lembrando que sua fundação se tornou uma das vozes mais visíveis em campanhas contra maus-tratos, inclusive em contextos de tradições culturais arraigadas. Ao mesmo tempo, organizações que atuam em direitos humanos e antirracismo ressaltam que a trajetória da atriz inclui declarações controversas sobre imigração e religião, o que leva a uma leitura crítica que não separa o mito da estrela da responsabilidade de suas falas públicas.​

Legado em disputa

Na França, instituições culturais e cinematecas já discutem a atualização de mostras e retrospectivas dedicadas à obra de Bardot, inclusive com reavaliações que cruzam recorte de gênero, representação de corpos e contexto político. A expectativa é que uma nova onda de revisões críticas aprofunde o exame de como seus filmes ajudaram a redefinir a mulher jovem como protagonista, mas também reforçaram padrões específicos de corpo, beleza e branquitude no cinema europeu.​

Para o público, a morte de Bardot se soma à perda de outros nomes do pós-guerra e consolida a sensação de encerramento de uma geração inteira de estrelas que marcaram a transição entre o cinema clássico e o moderno. Em paralelo, a permanência de seus filmes em circuitos de repertório e plataformas de exibição sugere que o debate sobre sua obra e sua figura pública continuará vivo, com novas camadas sendo acrescentadas por críticas feministas, estudos de gênero, pesquisas sobre cultura de celebridades e análise de movimentos de defesa dos animais.​

(*) Com informações das fontes: BBC, Reuters, CNN, Deutsche Welle, Encyclopaedia Britannica, Associated Press, The New York Times, filmografias especializadas e registros de cinematecas digitais.

Links
Vídeo