O número não é apenas alto — é brutal. Mais de 71,28 milhões de brasileiros estão inadimplentes. É quase um em cada três adultos com o nome negativado. E não se trata apenas de estatística: isso representa famílias inteiras vivendo no limite, alternando o pagamento de uma conta de luz com o do botijão de gás, fazendo malabarismos para manter o mínimo de dignidade.
Se olharmos com atenção, veremos que esse número revela uma ferida crônica da nossa estrutura econômica: salários corroídos pela inflação passada, juros nas alturas, informalidade ainda dominante e uma cultura de crédito fácil que, por vezes, é mais armadilha do que solução.
A maioria dos inadimplentes deve aos mesmos vilões de sempre: bancos, financeiras, operadoras de celular, comércio. Mas o peso das dívidas com o setor financeiro é especialmente cruel. Com juros que superam os 300% ao ano no rotativo do cartão, não há orçamento que sobreviva.
O problema maior, porém, é o efeito dominó. A inadimplência tira o poder de compra, que afeta o consumo, que derruba a atividade econômica, que desestimula o investimento e — não por acaso — freia a geração de empregos. Ou seja, o devedor de hoje é, muitas vezes, o desempregado de amanhã.
O Brasil é um país onde se ensina a financiar, mas não a planejar. Onde se estimula o consumo imediato, mas não se constrói uma cultura de educação financeira de verdade. O resultado é gente entrando em empréstimos sem entender os termos, aceitando limites de cartão que não condizem com sua renda, e empurrando a dívida no crédito rotativo como se fosse extensão do salário.
E os programas de renegociação? Embora importantes, muitos apenas reorganizam o problema, sem atacar sua raiz. O brasileiro não quer dever — ele está devendo porque não tem escolha.
Resolver a inadimplência não é só baixar juros. É gerar emprego formal, elevar renda real, reformar o sistema tributário, e sobretudo, investir pesado em alfabetização financeira desde cedo. A saúde econômica de um país não se mede só pelo Ibovespa ou pelo câmbio — mas pelo número de cidadãos que conseguem pagar suas contas em dia e dormir tranquilos à noite.
Mais de 61 milhões de inadimplentes não são apenas números frios. São vozes que estão dizendo, em alto e bom som, que algo está fora do lugar. E fingir que é normal é o maior risco de todos.
Porque no fim, economia não é só PIB. É gente. É vida real.
* Vicente Barone é analista político, editor chefe do Grupo @HORA de Comunicação, esteve à frente de diversas campanhas eleitorais como consultor político e de marketing, foi executivo de marketing em empresas nacionais e multinacionais, palestrante nacional e internacional para temas de marketing social, cultural, esportivo e de trasnporte coletivo, além de ministrar aulas como professor na área para 3º e 4º graus - www.barone.adm.br